Decom, 60 anos
- Adriane Alves
- 10 de mai. de 2022
- 9 min de leitura
Criado como Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza, Departamento de Comunicação celebra seis décadas de história e produção do conhecimento
Adriane Galvão, Ana Lourdes Bal e José de Paiva Rebouças – Agecom/UFRN
O escritor e jornalista Gabriel García Márquez disse em seus escritos que a Comunicação é uma paixão insaciável que só se pode digerir mediante a confrontação descarnada com a realidade. A comunicação existe e resiste com o intuito de destruir barreiras e construir pontes que transpassam, conectam e mudam as pessoas. Para alguns, o desejo de seguir na área vem ainda na infância, quando o mundo se mostra mais colorido e divertido por meio das letras, cores e imagens.
Entre os estudantes do Departamento Comunicação Social (Decom) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) encontra-se o sentimento de que acharam nessa área o sentido para mudar a sociedade por meio da comunicação. Completando 60 anos em 10 de maio de 2022, o Decom faz parte da história do Rio Grande do Norte, sendo responsável pela formação humana de parte dos comunicadores que atuam pelo Brasil, além de consolidar uma base científica robusta, que tem importante colaboração na consolidação científica e educacional da área.
Sebastião Faustino, atual Superintendente de Comunicação da UFRN, chegou ao Decom em 2004 para fazer estágio de docência, quando do seu mestrado em Ciências Sociais no Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). Três anos mais tarde, assumiu disciplinas como professor substituto e, em 2010, como docente efetivo do curso de Radialismo, atual Audiovisual. Em 2011, assumiu a vice-coordenação do curso de Comunicação Social. Em agosto de 2012, a chefia do Decom, no qual ficou até agosto de 2015, quando saiu para assumir a vice-direção do CCHLA.
“Nos três anos de chefe, travei uma batalha para a entrega do prédio do Labcom (Laboratório de Comunicação), depois de quatro empresas abandonarem a obra e quatro anos de paralisação. Fiquei responsável pela obra e toda parte de infraestrutura para o novo prédio, como a aquisição de todos os equipamentos de laboratório, sala de aula, planejamento de pessoal para administrar a nova casa do Departamento. Foi na gestão de chefe que passamos pelo reconhecimento do curso de Publicidade e Propaganda e a avaliação de Radialismo que resultou na criação do curso de Audiovisual”, conta Faustino.
Francisco Duarte foi aluno de jornalismo na UFRN em 1981 e narra sua trajetória dentro da universidade evidenciando o protagonismo que os estudantes de jornalismo tinham naquela época. “Uma questão que me marcou profundamente nesse aspecto foi a criação de meios de comunicação experimentais em um período quando tínhamos poucos recursos. A vontade de comunicar era maior do que qualquer coisa”, conta o jornalista, que é professor do Decom e passou oito anos como diretor da Agência de Comunicação da UFRN (Agecom).
Ao longo dos anos, a lista de ex-alunos do Decom que retornaram ao prédio como professores se tornou extensa. Itamar Nobre, atual professor de fotojornalismo, entrou no curso de jornalismo em 1990 e está há 30 anos dentro da universidade atuando em projetos de extensão, mestrado, doutorado e docência. “Tenho uma história com o departamento muito longa porque eu sou de uma turma bastante antiga e, ainda como aluno, eu gostava muito de ministrar oficinas, foi nesse período que eu descobri que eu tinha vocação para professor”, relata.
Outra personagem importante na unidade é a professora Josimey Costa, que também foi aluna de jornalismo no Decom e guarda na memória os laços afetivos criados na instituição, mas, sobretudo, os momentos de atuação política que a formaram como profissional. “Eu e meus colegas não passamos despercebidos no curso. Então, como aluna, eu acho que isso foi o mais importante, foi a nossa participação ativa dentro do curso de comunicação. O que eu acho que veio a me mostrar a possibilidade de uma atuação mais profissional dentro do curso”, relata a jornalista.
Duarte confessa que nasceu no mesmo ano em que o curso de jornalismo foi criado no RN e, como aluno de comunicação, participou ativamente das atividades universitárias em um momento em que o curso era voltado essencialmente para o mercado de trabalho e não existia um caráter acentuado em termos de pesquisas. Ele relata que é um desafio prazeroso atuar dessa forma na unidade que o formou como profissional. “Eu procuro passar o melhor de tudo que eu pude aprender e vivenciar para esses novos alunos que estão não só querendo conquistar um lugar na sociedade, mas também se realizar como pessoa e nutrir sentimentos satisfatórios dentro da profissão”, reforça.
Entre tantos momentos marcantes vivenciados na UFRN, Duarte se emociona ao falar sobre os dois filhos que ingressaram recentemente como alunos de Comunicação Social dentro do Departamento. “Isso me dá uma satisfação não só por eles serem meus filhos, mas também por eles estarem nesse ambiente acadêmico e de comunicação, pelo qual sou apaixonado e tiro o meu sustento”, explica.
Itamar conta que foi a partir do apoio do departamento que ele começou a ter interesse em projetos de extensão, principalmente voltados para o fotojornalismo. Há 17 anos, o professor está à frente da Agência Fotec, um projeto de ensino, pesquisa e extensão que contribuiu para a formação acadêmica e profissional dos alunos do departamento. “A Fotec se tornou muito importante para mim porque, hoje em dia, praticamente quase todos os alunos de comunicação que estão no mercado de trabalho passaram pelo projeto nesses 17 anos. Eu fico muito orgulhoso vendo meus alunos trilhando seus caminhos profissionais e desempenhando o papel de comunicólogos em determinados veículos de comunicação. Afinal, a função do professor do Decom é exatamente essa: oferecer meios para que outras pessoas também possam cumprir o desejo de comunicar para a sociedade”, completa.
Josimey, antes de se tornar professora, atuou por um breve período como diretora da TV Universitária (TVU-RN), momento esse que despertou ainda mais sua paixão pela comunicação. Para ela, a relevância que a comunicação técnica e profissional adquiriu no mundo contemporâneo mostra o quanto é importante formar bons profissionais dessa área. Por essa razão, ela acredita que, em uma sociedade repleta de fakes news e de pessoas que manipulam os meios de comunicação de uma forma fatal para a democracia, o Decom tem o papel social de formar indivíduos pensantes, políticos e criadores de conhecimento.
“Celebrar 60 anos de departamento significa resistência, possui um significado muito profundo, tanto em termos acadêmicos para a UFRN como em termos de impacto na sociedade local, regional e até nacional. O Decom prossegue com novos talentos, com novos docentes e pesquisadores, com muito a oferecer, tanto para construção de conhecimento como para atuação dos futuros profissionais da comunicação”, destaca.
História
A trajetória do Departamento de Comunicação da UFRN iniciou-se em 1962, por força da Lei Estadual 2.783, que criou a Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza, unidade independente que passou a ser administrada pela Fundação José Augusto, fundada um ano depois. Em 1973, um movimento articulado de alunos e professores agregou a então Faculdade à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) — criada em 1958 e federalizada em 1960.
No livro Memórias, Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza, o jornalista Luiz Lobo explica que Eloy de Souza foi um jornalista que pesquisou a seca no Nordeste e escandalizou o Brasil ao dizer que, enquanto o governo combatesse a seca, ela iria continuar “denunciando que a pesquisa de armazenar água fazia aumentar a seca e fugir a possibilidade de chuva, criando enormes espelhos que refletiam calor para a atmosfera e impediam a formação de nuvens carregadas. Foi pouco ouvido e até ridicularizado quando falou dos rios que corriam abaixo da superfície em todo o Nordeste”, conta o autor do livro.
A obra, disponível no Repositório Institucional da UFRN, conta com riqueza de detalhes e opiniões toda a trajetória da faculdade que dá origem ao atual Decom. Organizado por três ex-servidores da UFRN: Geraldo Queiroz, ex-reitor, Rejane Lordão, ex-diretora da Biblioteca Zila Mamede, e Tarcísio Gurgel, ex-professor do CCHLA, o trabalho destaca a importância dessa faculdade para o Brasil. “Sua criação como escola isolada, não submetida ao modelo então predominante de cursos de jornalismo vinculados às antigas faculdades de Filosofia, dá-lhe a condição de Faculdade de Jornalismo pioneira no Nordeste”, escreveu Geraldo Queiroz.
Seis décadas depois de ser inaugurado, o Decom representa hoje uma enorme colaboração no tripé que sustenta a universidade pública. São três cursos de graduação (Jornalismo, Audiovisual e Publicidade e Propaganda), um programa de pós-graduação, consolidado com 12 anos de existência, formando mestres e doutores, e um corpo docente produtivo, responsável, entre outras coisas, pela manutenção de 51 projetos de pesquisa, 40 de extensão e sete de ensino.
Para a atual chefe do Departamento de Comunicação, Janaine Aires, a principal contribuição do Decom na trajetória das Ciências da Comunicação é colaborar com um processo delicado de demarcar o lugar da Comunicação dentro das Ciências Sociais. “Temos um Departamento grande, representamos um conjunto de professores bastante significativo. Além disso, temos um projeto de pós-graduação que tem um papel super relevante na nossa região, com 12 anos de existência, formando no mestrado e no doutorado. Isso é, para a gente, uma grande alegria e também uma demonstração do papel de referência que a gente acaba assumindo em nossa região”, reforça Janaine.
A professora vê o ambiente em que atua como um lugar de resistência e de produção de conhecimento, de onde saem muitas pessoas que pensam e comunicam a transformação, além de ser um espaço em que se faz acontecer a universidade pública, gratuita, de qualidade, inclusiva e democrática. “É uma alegria e uma honra gigantesca estar na chefia do Departamento neste momento porque entendo a importância não somente de celebrar os 60 anos do Decom, mas fomentar o pertencimento, o respeito aos outros, a nossa memória, nossa história. Estar neste lugar é um desafio, óbvio, mas é uma alegria enorme”, enfatiza.
Vivência e aprendizado
O jornalista Allan Almeida se formou recentemente em Jornalismo pelo Decom e está construindo sua carreira profissional. Ele entrou no curso em 2017, na época com 18 anos, e, como boa parte dos universitários, também trabalhava. “Os anos da graduação foram árduos, mas contei com professores do curso que me ajudaram a me manter na instituição e não desistir da minha formação. Acredito que esse acolhimento dos professores do Decom é o que faz a diferença para que os alunos se tornem profissionais de excelência”, relata.
Allan defendeu sua monografia de conclusão de curso em setembro de 2021, uma pesquisa sobre uma área da comunicação que aborda o uso das tecnologias digitais relacionando esse conceito a um outro tema dentro dos direitos humanos: a transexualidade. O trabalho, orientado pela professora Mônica Mourão, resultou na publicação do livro digital Elas existem (Editora Fi), que traz uma análise do caso Jessica Piovani, mulher trans, potiguar, que estava em situação de rua na praça da Sé, em São Paulo, no início da pandemia de covid-19.
O estudante Vitor Oliveira entrou recentemente em Audiovisual e suas expectativas com o curso estão relacionadas com as trocas de conhecimento interpessoais e profissionais que o departamento pode oferecer. “Eu acho que esse é um curso que evidencia muitos talentos e minha maior expectativa está relacionada a isso, com as trocas que eu vou ter aqui tanto com os professores quanto com os alunos. E, para mim, é uma das partes mais vantajosas de estar inserido nesse ambiente”, afirma.
O curso de Publicidade e Propaganda também faz parte do Decom e possui uma grade curricular que envolve desde o planejamento até a criação e a veiculação de campanhas publicitárias, sempre buscando formar profissionais eficientes e críticos. Filipe Cabral é jornalista formado pela UFRN e recentemente ingressou no curso de Publicidade. Ele relata que sua formação profissional foi alicerçada pelos aprendizados oferecidos pelo Departamento de Comunicação.
O futuro publicitário explica que seu interesse pela comunicação surgiu naturalmente e que, por essa razão, pretende se formar nos três cursos ofertados pelo Decom. “Eu sempre falo com muito orgulho do Departamento de Comunicação porque foi aqui que eu pude ter grandes experiências, tanto acadêmicas quanto profissionais. Para mim, é motivo de orgulho fazer parte dessa história e saber que o Decom representa resistência e produção de conhecimento, além de permitir que os estudantes não só estudem, mas também executem tudo que estão aprendendo”, disse.
Filipe está há seis anos no Decom e declara que os melhores momentos que passou na unidade estão relacionados aos projetos de extensão e às relações afetivas que criou a partir deles. “As boas memórias que construí nos projetos são automaticamente associadas também ao departamento, pois os bate-papos, testes, aulas, entrevistas e coberturas perpassam o Decom”, completa.
Celebração
Para celebrar o aniversário, a coordenação do departamento está organizando uma programação que contará com homenagens, exposições, jogos internos e música. “O que a gente está preparando de programação é muito lúdico. A gente não quer um evento acadêmico, então vai ser um evento longo, que irá começar no dia 10 de maio e vai até o dia 31 de dezembro”, explica a chefe do Decom, Janaine Aires.
Esse é um momento de celebrar o nascimento do departamento e do curso de jornalismo. Além dos alunos que, atualmente, estudam no prédio, Janaine diz que o evento também convida egressos, professores e servidores que já estão aposentados para participarem dessas atividades presenciais.
Para ela, celebrar 60 anos em um período pós-pandemia é imensamente importante, dado o período desafiador que a universidade enfrentou. O propósito do evento é unir as antigas e novas gerações do departamento para juntas celebrarem as amizades, reconstruírem as memórias perdidas e fortalecerem o pacto de produção de conhecimento na área da comunicação social. “Eu quero celebrar com todos que fazem parte do Decom e parabenizar todo mundo que já passou por aqui como professor, como servidor, todo mundo que já se formou e todo mundo que ainda vai chegar”, complementa Janaine.
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